Vem o Fidalgo Mário Soares e, chegando ao batel infernal, diz:
Fidalgo: Esta barca onde vai ora,
que assi está cheia de galões?
Diabo: Vai pera a ilha sem eleições
e há-de partir logo ess’ora.
Fidalgo: Pera lá vai a senhora?
Diabo: Senhor, a vosso serviço.
Fidalgo: Parece-me isso cortiço…
Nas minhas inúmeras viagens
vi muito melhor do que isso!
Diabo: Porque a vedes lá de fora.
Fidalgo: Porém, a que terra passais?
Diabo: Para o Inferno sem eleições, senhor.
Fidalgo: Terra é bem sem-sabor.
Diabo: Quê? E também cá zombais?
Fidalgo: E passageiros achais
pera tal habitação sem presidenciais?
Diabo: Vejo-vos eu em feição,
pera ir ao nosso cais…
Fidalgo: Parece-te a ti assi!...
Diabo: Em que esperas ter guarida?
Fidalgo: Que leixo na outra vida
quem vote sempre em mim.
Diabo: Quem vote sempre em ti?!...
Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...
E tu fizeste campanha a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que votam lá por ti?!...
Embarcai. Hou! embarcai,
que haveis de ir à derradeira.
Mandai meter a tartaruga,
que assi passou vosso pai.
Fidalgo: Quê? Quê? Quê?
Assi lhe vai?
Diabo: Vai ou vem, embarcai prestes!
Segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.
Pois que já a morte passastes,
haveis de passar o rio.
Fidalgo: Não há aqui outro navio?
Diabo: Não, senhor, que este fretastes,
e primeiro que espirastes
me deste logo sinal.
Fidalgo: Que sinal foi esse?
Diabo: Do que vós vos contentastes.
Fidalgo: A estoutra barca me vou.
Hou da barca! Para onde is?
Ah, barqueiros! Não me ouvis?
Respondei-me! Houlá! Hou!
(Par Deos, aviado estou!
Cant’a isto é já pior…)
Que giricocins, salvanor!
Cuidam que não tenho idade
pera ser mais repeitado?
Anjo: Que quereis?
Fidalgo: Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso eleitoral
é esta em que navegais.
Anjo: Esta é; que demandais?
Fidalgo: Que me leixeis embarcar.
Sou o melhor dos candidatos,
é bem que me recolhais.
Anjo: Não se embarcam convencidos
neste batel divinal.
Fidalgo: Não sei porque haveis por mal
que entre a minha senhoria…
Anjo: Pera a vossa sede de poder
mui estreita é esta barca.
Fidalgo: Pera senhor de tal idade
nom há aqui mais cortesia?
Venha a prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
Anjo: Não vindes vós de maneira
pera ir neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a tartaruga entrará,
os bilhetes de viagens acomodar-se-ão,
e o rabo caberá
e todo o vosso senhorio.
Vós ireis mais espaçoso
com convencida senhoria,
cuidando que éreis o melhor
o pobre povo queixoso não ouvistes
e por isso levastes;
e porque, de mentiroso,
afirmastes que não vos recandidatáveis
e fizestes de nós ursos
que temos de ouvir os vossos discursos.
Não tivestes pejo
em passar por cima do teu amigo
só porque gostais mais do vosso umbigo.
Diabo: Às eleições, às eleições, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
e valentes candidatos!
Diz cantado:
Vós estais doidinhos para lixar o povo;
para lixar o povo estais doidinhos.
Fidalgo: Ao Inferno todavia!
Inferno há i pera mi?
Ó bochechas! Enquanto me recandidatei
não cuidei que o i havia.
Pensava que era fixe;
não, que era fixíssimo;
Folgava dizer mal do Cavaco
e não vi que me perdia.
Venha essa prancha! Veremos
Essa barca sem vitórias eleitorais.
Diabo: Embarque a vossa gordura,
que cá nos entenderemos…
tomarês um par de remos,
veremos como remais,
e, chegando ao nosso cais,
todos bem vos apoiaremos.
Fidalgo: Esperar-me-ês vós aqui,
tornarei à outra vida
ver minha Brigada do Reumático querida
que está muito triste por mi.
Diabo: Que está muito triste por ti?
Fidalgo: Isto bem certo o sei eu.
Diabo: Ó candidato sandeu,
o maior que nunca vi!...
Fidalgo: Como pod’rá isso ser,
que m’apoiava sempre?
Diabo: Quantas mentiras ouvias,
e tu… morto de prazer!...
Fidalgo: Pera que é escarnecer,
que não havia outro que mais adorassem?
Diabo: Assi tires tu a sesta, amem,
como te tinha querer!
Fidalgo: Isto quanto ao que eu conheço…
Diabo: Pois estando tu espirando,
estava a Brigada apoiando
outro candidato de menos preço.
Fidalgo: Dá-me licença, te peço,
que me recandidate às eleições de 2011.
Diabo: E o povo, por não te ver,
despenhar-se-á dum cabeço.
Quanto o povo hoje rezou,
antre seus gritos e gritas,
foi dar graças infinitas
a quem o desassombrou.
Fidalgo: Cant’a ele, bem chorou!
Diabo: Nom há i choro de alegria?
Fiadalgo: E as lástimas que dizia?
Diabo: Era tudo uma grande mentira.
Entrai! Entrai! Entrai!
Ei-la prancha! Ponde o pé…
Fidalgo: Entremos, pois que assi é.
Diabo: Ora, senhor, fazei uma sesta,
passeai e discursai.
Em tanto vinrão mais candidatos.
Fidalgo: Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!
Diz o Diabo à Page Joana Amaral Dias:
Diabo: Nom entras cá! Vai-te d’i!
A tartaruga é cá sobeja:
cousa que esteve nas mãos de uma bloquista
nom há-de embarcar aqui.
Cousa que assistiu ao fim
da amizade entre Soares e Alegre
não pode ir neste palanquim…
Às eleições, às eleições, bons candidatos,
que queremos votar!
Chegar a elas! Chegar a elas!
Muitas e de boa mente!
Oh! Que campanha tão valente!
Segundo lá escolhestes,/ assi cá vos contentai: de acordo com a vida levada na terra, a alma será castigada ou recompensada;
Não, senhor, que este fretastes,/ e primeiro que espirastes/ me deste logo sinal: quando o Fidalgo morreu, já se sabia que iria para o Inferno;
Do que vós vos contentastes: actos ilícitos e pecaminosos do Fidalgo;
Cant’a isto é já pior…: inquietação do Fidalgo face ao silêncio com que é acolhido pelo Anjo;
Que giricocins, salvanor!: que anos, meu Deus!;
atavio: apetrechos.
Maria Ortigão