No passado dia 30 de Novembro, recordou-se (acho de muito um gosto empregar-se a palavra “celebrar”) a morte do poeta Fernando Pessoa.
Nesse dia, consultei a programação dos canais televisivos e foi com grande espanto e igual dose de alegria que verifiquei que a RTP1 ia transmitir três programas dedicados a Pessoa, totalizando cinco horas de emissão contínua. Isto, sim, é serviço público! O problema é que os tais programas iam para o ar entre a 1 hora e as 6 horas da manhã!!! Certamente que mochos, morcegos e outros animais nocturnos ficaram contentes. Isto, não, não é serviço público.
Só me restava gravar os programas, mas nem tinha cassete com tanto tempo de duração nem sequer tinha disponibilidade de ir comprar outra com mais minutos de gravação. Tive de fazer uma opção: gravar uma hora da parte final do primeiro programa, o segundo completo e a primeira meia hora do terceiro. Era o que se podia arranjar.
Finalmente, chegara o momento de visionar o que tinha gravado. Os programas eram de há vinte anos atrás, mas a cavalo dado não se olha o dente e a qualidade é o mais importante. Foi muito interessante assistir, no meio dos depoimentos de académicos e estudiosos pessoanos, às histórias da meia-irmã Teca e de uma sobrinha-neta, porque incidiram mais sobre o homem do que sobre o poeta. No homem divertido, atencioso e carinhoso para com os mais pequenos da família, mas também no homem solitário, carregando para sempre a sua inseparável dor de pensar.
O terceiro era um programa realizado por Luís de Sttau Monteiro. Lá interessante devia ser, pela meia hora que vi. Só vi, porque o áudio estava em péssimas condições, não se conseguindo perceber. E o mais interessante é que ninguém da RTP fez nada, não houve interrupção para tentar restaurar a boa sonoridade. Suponho que foi assim até ao final. Se calhar, pensaram que, como não devia estar vivalma a ver televisão àquela hora, não precisavam de se preocupar.
Não percebo por que razões não passaram aqueles programas a horas mais visíveis ao comum dos portugueses. Dedicam dias inteiros a transmissões apimbalhadas sobre o dia do idoso, do voluntário, do bombeiro e não sei mais o quê e esquecem um dos maiores poetas portugueses. Está bem que aquelas transmissões têm o bem-haja de angariar fundos e de chamar a atenção para questões importantes, mas a quantidade de músicos e músicas de qualidade infra é insuportável. Acaso as “poesias” de Mónica Sintra e os peitos da cabritinha de Quim Barreiros são mais solidários que os escritos de Pessoa?
Como é Natal, aqui ficam uns docinhos.
Maria Ortigão
Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Fernando Pessoa
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal.
E o frio que ainda é pior.
E toda agente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo arrefece
Tenho frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
Fernando Pessoa
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