7 de Setembro de 2005
Querido Diário, há alguns dias atrás, recebi uma carta da Segurança Social. Como é hábito destes serviços, a missiva vinha redigida num registo linguístico altamente elaborado e composto, que quase obriga o leitor a dividir as orações para conseguir perceber a informação. Por exemplo, em vez de simplesmente escreverem “A casa verde da Rua da Liberdade.”, são capazes de nos presenciar com algo como: “O lugar de recolha e habitação de matiz herbáceo, que nos aparece mapeado junto à Avenida do Livramento e perpendicular à Travessa do Combatente, apelidado justamente de Rua cujo nome é o oposto directo de prisão.”
Após várias leituras, consegui descodificar o conteúdo, mas, nesse mesmo instante, a minha atenção foi desviada para as letras miudinhas que se aninhavam no fim da carta e que contradiziam tudo o que tinha sido afirmado anteriormente, provocando muita ambiguidade.
Estava decidido, Diário, tinha de me deslocar às instalações da Segurança Social. Porém, as da minha área de residência estão em obras, por isso havia que fazer uma viagem maior.
Cheguei, finalmente, ao meu destino. Faltava uma hora para os serviços encerrarem e já não havia senhas à disposição dos utentes. Dirigi-me ao balcão de atendimento, onde me informaram que tinham retirado as senhas, porque estava muita gente à espera para ser atendida até ao fecho do expediente e que o horário de atendimento era das 9h às 16h30m, sublinhando enfaticamente que não fechavam durante a hora de almoço. Oh, que abnegação laboral!
Escusado será dizer que não concordo, amigo Diário, com este tipo de funcionamento. Ora, repara:
- eu cheguei dentro do horário de expediente (não em cima da hora, não cinco minutos antes do fecho, mas uma hora antes), logo, tenho todo o direito de ser atendida, independentemente da quantidade de pessoas que está à minha frente;
- se a política daqueles serviços é não permitir que mais ninguém seja atendido, quando há um grande número de utentes, não faz sentido ter um horário de funcionamento fixo de atendimento, pois hoje pode “fechar” às 15h30m, amanhã às 12h, na próxima semana às 16h… Portanto, ninguém sabe exactamente é que retiram as senhas ao público;
- “Abertura: 9h; Fecho: 16h30m” Tendo em conta que a esmagadora maioria dos trabalhadores exerce a sua profissão das 8h às 17h, quem determinou este horário não deve ser muito esperto!
8 de Setembro de 2005
Querido Diário, decidida a ser atendida, levantei-me cedo e rumei à Segurança Social. Os ponteiros do relógio marcavam 9h10m, quando retirei a minha senha de atendimento. Orgulhosamente, tinha chegado bastante cedo… tal como as 50 pessoas que estavam à minha frente! “Não há problemas!”, pensei, “A senha marca que daqui a uma hora serei atendida e eu venho bem munida!” Assim, com o jornal numa mão e um livro na outra, estava preparada para enfrentar a espera.
30 minutos depois… Já tinha lido a maior parte do jornal.
Uma hora depois… Já tinha lido o jornal todo, incluindo a necrologia.
Uma hora e meia depois… O livro era lido a um ritmo alucinante.
Duas horas depois… Mais de metade do livro já estava lido.
Duas horas e meia depois… Comecei a entrar em pânico, porque o livro estava a chegar ao fim e isso queria dizer que, para me entreter, teria de ouvir as conversas vizinhas.
Nota: Querido Diário, lembra-me que, para esperas deste género, devo levar livros bem grossos, tais como “Os Maias”, todos os volumes da História de Portugal (sem ilustrações) ou a “Bíblia”.
Agastada com a situação, dirigi-me ao balcão de atendimento e fiz ver que a espera estava a ser um “bocadinho” maior do que o previsto. Obtive, então, uma resposta mal-humorada: “Ó menina, há um centro que está encerrado para obras, há pessoal que está de férias, muita gente que também está de férias aproveita para vir cá… Tem de esperar!” Pois, tinha de (des)esperar!
Após três horas, fui chamada. Enquanto me encaminhava para a mesa de atendimento, só pensava: “Ai de ti, se me tentares despachar!” Ao entrar, reparei que as mesas do lado esquerdo tinham empregados, mas as do lado direito estavam vazias. Ou seja, apesar de estarmos ainda em período de férias e de haver um centro de atendimento encerrado, ninguém se preocupou em reforçar o pessoal no sentido de se efectuar um bom atendimento do público. Agora, percebia muito bem por que motivo tinham de retirar as senhas tão cedo!
Felizmente, fui muito bem atendida. A senhora explicou tudo, tirou-me as dúvidas com calma e clareza e disse-me que deveria voltar com os seguintes documentos: impresso, que se levantava no balcão de atendimento, fotocópias do IRS, do bilhete de identidade e do cartão da Segurança Social.
Dirigi-me, de seguida, ao balcão e pedi o tal impresso. A senhora, que lá estava, olhou para a carta que tinha e disse “muito delicadamente”:
— Não precisa do impresso para nada!
— Mas… mas… (é muito irritante esta fraqueza de gaguejar perante situações insólitas!) A sua colega afirmou que era necessário! – balbuciei eu timidamente.
— Pronto! Tome lá! – atirando com o impresso para cima do balcão. E eu lá tomei…
9 de Setembro de 2005
Querido Diário, com os documentos pedidos, rumei, pela terceira vez consecutiva, à Segurança Social. Desta feita, só esperei uma hora. Ena, ena, que sortuda que eu sou!
Quando chegou a minha vez, entreguei os documentos e, qual cereja no topo do bolo, a senhora (não a de ontem) diz:
— Não é necessária a fotocópia do IRS.
— Mas… mas… – lá estava eu a gaguejar outra vez – Ontem, pediram-me para a trazer!
— Só que não é preciso!
Eu só queria sair dali o mais depressa possível antes que perdesse a compostura. Para além de ter sido obrigada a ir lá três vezes, de ter esperado muito tempo para ser atendida, numa sala abafada e cheia de gente barulhenta, de ter despendido 9 euros em transportes públicos, ainda tinha de aturar a incompetência daqueles funcionários que não sabem a quantas andam! Tenho a impressão de que se me dirigisse a um quarto funcionário, era capaz de ter uma quarta versão dos factos. Se me tivessem dito logo que não era necessária a fotocópia do IRS, bastava ir a até uma papelaria da zona, tirava cópia aos outros documentos, voltava à Segurança Social e entregava tudo. De certeza que ia passar lá o resto do dia, mas, pelo menos, resolvia logo as coisas. Que falta de profissionalismo, que falta de respeito, que falta de tudo! Francamente!
10 de Setembro de 2005
Querido Diário, não imaginas como é fácil construir uma bomba artesanal! Ah, ah, ah… (ler as gargalhadas com voz cavernosa e algo demente!)…
Maria Ortigão
1 comentário:
Muito bom!!! Maria em grande a lançar o próximo livro em parceria com Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada: "Uma Aventura na Segurança Social"!
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