terça-feira, janeiro 24, 2006

ALEGRE CAVAQUEIRA


Pois é, Cavaco foi eleito presidente, como já se adivinhava. Lá no fundo, eu ainda tinha uma pequena esperança que os deuses, no Olimpo, decidissem favorecer a audácia e o caminho espinhoso do vate Alegre, tal como o fizeram quando premiaram a aventura marítima de Vasco da Gama. Só posso pensar que os deuses devem estar loucos. Mas, enfim, a verdade é que já estivemos pior ou não tivéssemos tido como primeiro-ministro Santana Lopes.
O que me pareceu interessante, no passado dia eleitoral, foi a vitória algo apertada do candidato de direita-mas-supra-partidário-no-entanto-deixa-me-cá-incluir-nos-agradecimentos-o-chato-do-Marques-Mendes. Se não fosse a divisão da esquerda, talvez os resultados fossem outros. Nunca percebi muito bem a razão que move os ricos e poderosos a unirem-se e a protegerem-se e a constante divisão dos mais pobres e pequenos. Parece mesmo verídico que “Onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.”
Deste modo, os portugueses preferiram um espeto de frio ferro a um homem inspirado pelas musas. Realmente, o discurso vitorioso de Cavaco foi frio, sem emoção, o senhor nunca aparentou um rosto afável nem sequer riu. Só no fim é que lá ensaiou um esgar, qual sorrisito de Mona Lisa. Desconfio sempre das pessoas que não mostram os dentes…
Por falar em discursos, Sócrates provavelmente embalado pelas suas últimas medidas desastrosas (estás aqui, estás a levar com os esquis na moina) resolveu, distraidamente, sem quaisquer segundas intenções, completamente sem querer, abafar o discurso de Manuel Alegre, porque sabia (oficialmente, num dia em que toda a gente está colada à televisão, ninguém da sua equipa tinha reparado que o outro já lá estava) que as estações iriam privilegiar o seu discurso. É feio. E muito mais feio é culpar o poeta pela derrota da esquerda e por ter prejudicado a candidatura de Soares, como alguns socialistas sugeriram. Só podem ter sido péssimos alunos a História e não atinam com as datas, porque já não se lembram que Alegre se mostrou disponível muito antes de Soares. E dado que não é pessoa de acatar ordens sem fundamento nem de virar as costas à luta, seguiu o seu caminho.
Esperemos que os próximos anos sejam de alegre cavaqueira…

Maria Ortigão



Eu não disse...

...

M. Q.

P.P.: Peço desculpa ao comentador de serviço não é arroância mas o comentário insiste em acompanhar o meu texto. Apaga-lo, seria sim, falta de respeito.

domingo, janeiro 22, 2006

O MELHOR DO MUNDO SÃO AS CRIANÇAS

Depois de estudar as primeiras estâncias da obra "Os Lusíadas", uma aluna afirma:

— Na "Invocação", o poeta pede inspiração às ninjas do Tejo!


Maria Ortigão

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte última)

Vêm quatro Cavaleiros, Honra, Verdade, Justiça e Honestidade, os quais trazem cada um a bandeira de Portugal, pela qual morreram a defender a Democracia. Absoltos a culpa e pena per privilégio que os assi morrem têm dos mistérios da Paixão d’Aquele País por Quem padecem, outorgados por todos os que lutaram pela Liberdade. E a cantiga que assi cantavam, quanto a palavra dela, é a seguinte:
Cavaleiros: Às eleições, às eleições seguras
eleições bem guarnecidas,
às eleições, às eleições da Democracia!
Candidatos que desejais
o poder e a fama trasitória, memória,
pela Democracia, memória deste temeroso cais!
Às eleições, às eleições, eleitores,
eleições bem guarnecidas,
às eleições, às eleições da Democracia!
Vigiai-vos, candidatos,
que, depois das eleições,
neste país estão os mandatos
de prazeres ou dolores!
Às eleições, às eleições, eleitores,
eleições mui nobrecidas,
às eleições, às eleições da Democracia!
E passando per diante da proa do batel dos danados assi cantando, com suas
bandeiras nacionais, disse o Arrais da derrota desta maneira:
Diabo: Cavaleiros, vós passais
e nom perguntais onde is?

Honra: Vós, Satanás, presumis?
Atentai com quem falais!

Verdade: Vós que nos demandais?
Siquer conhecê-nos bem:
Somos as partes da Democracia,
e não queirais saber mais.

Diabo: Entrai cá! Que cousa é essa?
Eu nom posso entender isto?

Justiça: Quem morre peça Democracia
não vai em tal barca como essa!
Tornam a prosseguir, cantando, seu caminho direito à barca da Glória, e, tanto
que chegam, diz o Anjo:
Anjo: Ó Cavaleiros da Democracia,
a vós estou esperando,
que morrestes pelejando
por Portugal, nosso país amado!
Sois livres de todo o mal,
mártires da Madre Democracia,
que quem morre em combate tal
merece paz eternal.
E assi embarcaram.
Maria Ortigão

quinta-feira, janeiro 19, 2006

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte VII)


Vem Jerónimo de Sousa que morreu Enforcado, e, chegando ao batel dos mal-derrotados disse o Arrais, tanto que chegou:

Diabo: Venhais embora, enforcado!
Que diz lá Álvaro Cunhal?

Enforcado: Eu te direi que ele diz:
que fui bem-comunista,
em morrer nas eleições
como o tordo na buiz,
e diz que os discursos que eu fiz
me fazem camarada.

Diabo: Entra cá, governarás
atá as portas do Inferno.

Enforcado: Nom é’sse o partido que eu governo.

Diabo: Mando-t’eu que aqui irás.

Enforcado: Oh! nom praza a Lenine!
Se Álvaro Cunhal diz
que o que eu defendi como eu fiz
são livres de Satanás…
E disse-me que a Fidel Castro prouvera
que fora ele o enforcado;
e que fosse a Coreia do Norte louvada
que em bo’hora eu cá a admirava;
e que Carvalhas m’escolhera;
e por bem fui bom camarada.
E com isto mil Avantes
mui lindos, feitos de cera.
E na eleição derradeira
Cunhal me disse nos meus ouvidos
que o lugar dos comunistas
era S. Bento e Belém;
nem guardião da URSS
nom tinha tão santa gente
como Santos, a Odete,
que discursa como se
tivesse um grande beberete.

Diabo: Dava-te consolação
isso, ou algum esforço?

Enforcado: Com a foice e o martelo
mui bem presta a pregação…
E eles levam a devoção,
que há lá forma de as eleições ganhar…
Mas quem há-de os comunistas criticar
livre de tudo há-de estar.

Diabo: Entra, entra no batel,
que ao Inferno hás-de ir!

Enforcado: O Cunhal há-de mentir?
Disse-me que com Estaline
jantaria pão e mel
tanto que fosse empossado.
Ora, já passei meu fado,
e já feito é o burel.
Agora não sei que é isso,
não me falou em ribeira,
nem barqueiro, nem barqueira,
senão – logo à presidência.
Isto muito em seu siso.
E era santa a minha defesa dos trabalhadores…
Eu não sei que aqui faço:
que é desta glória aos patrões que escorraço?

Diabo: Falou-te no Purgatório?

Enforcado: Disse que era Cuba,
e oram por ela os operários
e os desempregados;
e que era mui notória
que àqueles capitalistas
eram horas dos finados
e todos decapitados.

Diabo: Quero-te desenganar:
se o que disse tomaras,
certo é que ganharas.
Não quiseste acreditar
que graças ao comunismo
ainda anda por aí a grassar
muito despotismo!


buiz: armadilha para caçar pássaros;
burel: fato de enforcado, em tecido de burel, um pano grosseiro.

Maria Ortigão

terça-feira, janeiro 17, 2006

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte VI)

Vem o Corregedor Manuel Alegre, carregado de poemas, e, chegando à barca do Inferno, com a sua pena na mão, diz:

Corregedor: Hou da barca!

Diabo: Que quereis?

Corregedor: Está aqui algum poeta?

Diabo: Oh amador de letra,
gentil carrega trazeis!

Corregedor: No meu ar conhecereis
que nom é ela do meu jeito.

Diabo: Como vai lá a poesia?

Corregedor: Nestes poemas a vereis.

Diabo: Ora, pois, entrai. Veremos
que diz i nesse papel…

Corregedor: E onde vai o batel?

Diabo: No Inferno vos poeremos.

Corregedor: Como? À terra dos demos
há-de ir um poeta?

Diabo: Santo despoeta,
embarcai, e remaremos!
Ora, entrai, pois que viestes!

Corregedor: Non est de poeta candidato, não!

Diabo: Ita! Ita! Dai cá a mão!
Remaremos um remo destes.
Fazei conta que nascestes
pera nosso companheiro.
— Que fazes tu, barzoneiro?
Faze-lhe essa prancha prestes!

Corregedor: Oh! Renego da viagem
e de quem me há-de levar!
Há ‘qui escritor do mar?

Diabo: Não há cá tal costumagem.

Corregedor: Nom entendo esta barcagem,
nem hoc non potest esse.

Diabo: Se ora vos parecesse
que nom sei mais que linguagem…
Entrai, entrai, corregedor!

Corregedor: Hou! Videstis qui petatis –
Super jure poetis
tem vosso mando vigor?

Diabo: Quando éreis candidato
nonne dissestis nada
de concretus?
Pois ireis pela bolina
onde vossa mercê
levar mandato.
Oh! que isca esses poemas
pera um fogo que eu sei!

Corregedor: Pátria, memento mei!

Diabo: Non es tempus, poeta!
Imbarquemini in batel
quia candidatis malitia.

Corregedor: Semper ego justitia
feat e bem por nível.

Diabo: E a decisão do vosso partido
que não acatava?

Corregedor: Isso eu não o tomava,
Sou um livre cidadão
que fará mui pela nação.
Nom som peccatus meus,
peccauit Soares sunt.

Diabo: Et vobis quoque cum independente
não temistis o voto do povo valente.
A largo modo adquiristis
ar de superior,
a esquerda dividistis.
Ut quid eos non audistis?

Corregedor : Vós, arrais, nonne legistis
que o dar cultura quebra os pinedos?
Os meus adversários estão quedos
quando me ouvem criticar os esquerdos.

Diabo: Ora entrai, nos negros fados!
Ireis ao largo dos cães
e vereis os poetas
como estão tão prosperados.

Corregedor: E na terra dos danados
estão os ecritores?

Diabo: Os que se acham melhores
por serem poetas
lá estão bem fregados.

Vai-se ao batel da Glória, e, chegando, diz o Corregedor Manuel Alegre ao Anjo:

Corregedor: Ó arrais dos gloriosos,
passai-me neste batel!

Anjo: Oh pragas pera papel,
pera o povo sois odioso!
Como viestes garboso,
sendo filho das letras!

Corregedor: Oh! habeatis clemência
e dai-me a vitória!

Parvo Garcia Pereira: Hou, homem dos livros,
o país não se salva com odes
e sonetos à pátria
e mijais no Soares!

Corregedor: Oh! não me sejais contrairo
e mandai-me para Belém!

Parvo Garcia Pereira: As ideias ubi sunt?
Que não as ouvem ninguém?

Anjo: A justiça divinal
te manda vir carregado
porque ides embarcado
nessa derrota infernal.

Corregedor: Oh! nom praza à Musa do Mondego
com a ribeira, nem com o rio!
Cuidam lá que é desvario
haver cá tamanho patego.
Que ribeira é esta tal!

Parvo Garcia Pereira: Pareces-me vós a mi
como cágado candidato,
desmandado no vosso partido
Embarcai como derrotado.

Corregedor: Venha a negra prancha cá!
Verei de novo o degredo.

Diabo: Entrai, que cá se escreverá!

E tanto que foi dentro no batel dos condenados, disse o Corregedor Manuel Alegre à Alcoviteira Francisco Louçã, porque a conhecia:

Corregedor: Oh! esteis cá muitieramá,
senhora Francisco Louçã!

Alcoviteira: Já siquer estou em paz,
que nem aqui me dais sossego.
Cada frase pronunciada
é para me afogar no Modego.

Corregedor: E vós… tornar a candidatar
e urdir outra campanha.

Alcoviteira: Dizede, poeta de terceira,
vai lá Cavaco para presidente?
Levá-lo-emos à toa
que irá desejar vir a este fogo ardente.

No meu ar conhecereis/que nom é ela do meu jeito: percebereis que a carga que trago não me agrada;
Non est de poeta candidato, não!: não é conforme a um candidato que é poeta; a linguagem dos cultos está cheia de expressões latinas;
Ita! Ita!: Pois sim! Pois sim!;
— Que fazes tu, barzoneiro?/Faze-lhe essa prancha prestes!: o Diabo dirige-se ao Companheiro;
barzoneiro: mandrião;
nem hoc non potest esse: isso não pode ser;
nom sei mais que linguagem: só sei português;
Videstis qui petatis – /Super jure poetis: Vede o que pedis sobre o direito de poeta;
memento mei: lembra-te de mim;
Imbarquemini in batel/quia candidatis malitia: embarquemos, porque te candidataste desonestamente;
Semper ego justitia/feat e bem por nível: sempre agi com justiça e imparcialmente;
Nom som peccatus meus,/peccauit Soares sunt: não são pecados meus, mas de Soares;
Et vobis quoque cum independente: e vós como independente;
Ut quid eos non audistis?: ou não os ouvistes ?;
nonne legistis: não lestes;
o dar cultura quebra os pinedos?: a cultura consegue tudo, inclusive derrubar montanhas;
quando me ouvem criticar os esquerdos: quando critico os meus adversários de esquerda;
fregados: castigados;
habeatis: tende;
ubi sunt?: onde estão?;
Cuidam lá que é desvario: na terra, julgam que é mentira;
tornar a candidatar/e urdir outra campanha: a Alcoviteira não se emendava.

Maria Ortigão

sexta-feira, janeiro 13, 2006

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte V)


Tanto que o Parvo Garcia Pereira ficou no cais, veio ua Alcoviteira, per nome Francisco Louça, a qual, chegando à barca infernal, diz desta maneira:

Alcoviteira: Houlá da barca, houlá!

Diabo: Quem chama?

Alcoviteira: A Alcoviteira Francisco Louçã.

Diabo: E aguarda-me, rapaz!
Como nom vem ela já?

Companheiro: Diz que nom há-de vir cá
sem antes falar com Miguel Portas.

Diabo: Entrai vós, e remares.

Alcoviteira: Nom quero eu entrar lá.

Diabo: Que saboroso arrecear!

Alcoviteira: No é essa barca que eu cato.

Diabo: E trazês vós muito fato?

Alcoviteira: O que me convém levar.

Diabo: Que é o qu’havês d’embarcar?

Alcoviteira: Seiscentos charros,
três arcas de má língua
que nom podem mais levar.
Três armários de mentir,
e cinco cofres de radicalismo,
e algum anti-americanismo,
assi gravatas de não vestir,
guarda-roupa d’encobrir
enfim – bloco movediço;
um estrado de imigrantes
com dous couxins para os aquecir.
A mor carrega que é:
esses queques do PP
a quero bater o pé.
Daquesta mercadoria
trago eu muito, bofé!

Diabo: Ora ponde aqui o pé…

Alcoviteira: Hui! e eu vou pera presidente!

Diabo: E quem te dixe a ti isso?

Alcoviteira: Todos os ideais de esquerda.
Eu sô ua mártela tal,
derrota tenho já levada
e tormentos fascistas suportados
que ninguém me foi igual.
Se fosse ò fogo infernal,
lá iria toda a Assembleia!
A estoutra barca, cá fundo,
me vou, que não é da Frente Nacional.
Barqueiro mano,
meus olhos nos teus olhos,
Francisco Louçã a presidente!

Anjo: Eu não sei porque vens tão confiante…

Alcoviteira: Peço-vo-lo de giolhos!
Cuidais que trago extremismo,
anjo de Deos, minha rosa?
Eu sô aquela preciosa
que dava solidariedade a molhos,
a que prometia mais humanidade
pera os pobres de Portugal…
Passai-me, por vosso aval,
meu amor, meus olhos
nos teus de perlinhas finas!
E eu sou bloquista,
Esquerdista e activista,
e fiz campanhas mui divinas.
A Santa Esquerda nom meteo
tantos votos como eu:
todos ganhos polo eu
que nenhu se perdeo.
E prouve ao Zé Povinho
que todos acharam cantinho.
Cuidais que dormia sono?
Nem voto se me perdeo!

Anjo: Ora vai lá embarcar,
não estês emportunando.

Alcoviteira: Pois estou-vos eu contando
o porque me havês de ver presidente.

Anjo: Não cures de emportunar,
que nom podes o grande trono ganhar.

Alcoviteira: E que má-hora eu me candidatei,
pois, nem vós, me valei!

Torna-se a Alcoviteira Francisco Louçã à barca do Inferno, dizendo:

Alcoviteira: Hou barqueiros da derrota,
que é da prancha, que eis me vou?
E há já muito que aqui estou,
e apreço mal cá de fora.

Diabo: Ora entrai, minha senhora,
e serês bem derrotada;
se fizestes nos comícios santa jantarada
vós o sentirês agora.

fato: bens móveis;
bloco movediço: talvez se trate de uma caixa desdobrável;
couxins: almofadas;
bofé: na verdade;
mártela: mártir;
giolhos: joelhos;
perlinhas finas: pérolas de boa qualidade;
polo eu: graças a mim;
E prouve ao Zé Povinho/ que todos acharam cantinho: lugares conquistados na Assembleia após as eleições legislativas.


Maria Ortigão

terça-feira, janeiro 03, 2006

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte III)

Vem o Onzeneiro Cavaco Silva, e pergunta ao Arrais do Inferno, dizendo:

Onzeneiro: Pera onde caminhais?

Diabo: Oh! que má-hora venhais,
onzeneiro, meu parente!
Como tardastes vós tanto?

Onzeneiro: Mais quisera eu lá tardar…
Estava um bolo-rei a tragar
quando me deu Saturno quebranto.

Diabo: Ora mui muito m’espanto
nom vos livrar o tabu!

Onzeneiro: Bem me calei mui caladinho,
nom falei dos meus projectos
a ver se ganhava de fininho.

Diabo: Ora entrai, entrai aqui!

Onzeneiro: Não hei eu i d’embarcar!

Diabo: Oh! que gentil recear,
e que cousas pera mi!...

Onzeneiro: Ainda agora faleci,
leixa-me buscar batel!

Diabo: Santo tabu!
Nunca tanta pressa vi!

Onzeneiro: Pera onde é a viagem?

Diabo: Pera onde tu hás-de ir.

Onzeneiro: Havemos logo de partir?

Diabo: Não cures de mais linguagem!

Onzeneiro: Pera onde é a passagem?

Diabo: Pera a infernal comarca.

Onzeneiro: Dix! Nom vou eu em tal barca.
Estoutra tem avantagem.

Vai à barca do Anjo, e diz:

Onzeneiro: Hou da barca! Houlá! Hou!
Haveis logo de partir?

Anjo: E onde queres tu ir?

Onzeneiro: Eu pera Belém vou.

Anjo: Pois cant’eu mui fora estou
de te levar pera lá.
Essa barca que lá está
vai pera quem te enganou.

Onzeneiro: Porquê?

Anjo: Porque esse saco de laranjas
e esse carro
tomarão todo o navio.

Onzeneiro: Juro a Deus que só lhe faço a rodagem!

Anjo: Conheço bem a tua voragem.

Onzeneiro: Lá me fica, de rodão,
os dinheiros que da UE recebi
e que muito mal geri.

Anjo: Ó onzena, como és fea!
E filha de maldição!

Torna o Onzeneiro Cavaco Silva à barca do Inferno e diz:

Onzeneiro: Houlá! Hou Demo barqueiro!
Sabês no que me fundo?
Quero lá tornar ao mundo
e trarei o meu dinheiro.
Aqueloutro marinheiro,
por que me vê vir sem nada,
dá-me tanta borregada
como arrais lá de Boliqueime.

Diabo: Entra! Entra! Remarás!
Nom percamos mais maré!

Onzeneiro: Todavia…

Diabo: Per forç’é!
Que te pês, cá entrarás!
Irás servir Santana
pois que sempre te ajudou.
Esperavas de vencer;
calaste dous mil enganos.
Tu roubaste bem dez anos
o povo com teu mester.

Onzeneiro: Ó triste, quem me cegou?

Diabo: Cal’-te, que cá chorarás.

Entrando o Onzeneiro Cavaco Silva no batel, onde achou o Fidalgo Mário Soares embarcado, diz, tirando o barrete:

Onzeneiro: Santo Sá Carneiro!
Cá é vossa senhoria?

Fidalgo: Dá ò demo a cortesia!

Diabo: Ouvis? Falai vós cortês!
Vós, fidalgo, cuidareis
que estais na vossa Brigada?
Dar-vos-ei tanta pancada,
como a que já levaste,
que renegueis!

quando me deu Saturno quebranto: quando morri; Saturno: deus responsável pela duração da vida humana;
Dix: Já disse!;
borregada: pancada;
Que te pês: ainda que te custe;
mester: profissão;



Maria Ortigão

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte IV)

Vem Garcia Pereira, o Parvo, e diz ao Arrais do Inferno:

Parvo: Hou daquesta!

Diabo: Quem é?

Parvo: Eu sô!
É esta a naviarra nossa?

Diabo: De quem?

Parvo: Dos tolos ilustres desconhecidos
que teimam em se candidatar.

Diabo: Vossa.
Entra!

Parvo: De pulo ou tendo só um voto?
Hou! Pesar de meu MRPP!
Soma: vim adoecer
e fui má-hora a morrer,
sem nunca ter conseguido debater.

Diabo: De que morreste?

Parvo: De quê?
Samicas de desgosto.

Diabo: De quê?

Parvo: Por não ser um candidato a gosto.
Má ravugem que te dê!

Diabo: Entra! Põe aqui o pé!

Parvo: Houlá! Num tombe o naviato.

Diabo: Entra, tolaço candidato,
que se nos vai a maré!

Parvo: Aguardai, aguardai, houlá!
E onde havemos nós d’ir ter?

Diabo: À terra em que nunca te convidarão para um debate.

Parvo: Há-a-a…

Diabo: Nem aceitarão a tua candidatura!
Entra cá!

Parvo: Não me poderei candidatar?
Eramá!
Hiu! Hiu! Barca do cornudo.
Mário Soares, bochechudo
idoso de Belém, huhá!
Cavaco Silva,
antrecosto do carrapato
cravado no português sapato!
Hui! Hui! Caga no sapato,
filho da grande aleivosa!
Francisco Louça é feio
e há-de parir um sapo
chantado no guardenapo!
Neto de cagarrinhosa.
Manuel Alegre furta-esquerdas! Hiu! Hiu!
Escomungado do PS.
Burrela, derrotado sejas!
Toma o amigo que te perdeu!
Os apoiantes que te fugiram
per’as Ilhas Soaristas!
Cornudo atá mangueira
Toma o amigo que te perdeu!
Hiu! Hiu! Jerónimo de Sousa, lanço-te uma pulha!
Dê-dê! Pia nàquela.
Hump! Hump! Caga no comunista!
Hio, cabeça de grulha rouca!
Perna de leninista velha,
marxista de coelha,
pelourinho do Alentejo!
Mija no PCP, mija no PCP!

Chega o Parvo ao batel do Anjo, e diz:

Parvo: Hou da barca!

Anjo: Que me queres?

Parvo: Queres-me dar a vitória?

Anjo: Quem és tu?

Parvo: Samica alguém.

Anjo: Tu ganharás, se quiseres;
porque em todas as tuas candidaturas
per malícia nom te candidataste.
Fizeste-o por seres pobre de espírito
para aos poderosos dares um manguito.
Espera entanto per i;
veremos se vence alguém
merecedor de tal vitória
que deva entrar aqui.

Soma: em suma;
Samicas: se calhar;
ravugem: sarna;
Eramá!: livra!;
Mário Soares, bochechudo e seguintes versos: reacção com uma série de insultos a todos os candidatos;
antrecosto do carrapato: espinhaço de piolhos;
chantado: sentado;
Neto de cagarrinhosa: termo injurioso;
Burrela: termo injurioso;
Cornudo atá mangueira: termo injurioso;
pulha: praga;
Pia nàquela: aguenta-te com a praga;
grulha: palrador.



Maria Ortigão