terça-feira, janeiro 03, 2006

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte III)

Vem o Onzeneiro Cavaco Silva, e pergunta ao Arrais do Inferno, dizendo:

Onzeneiro: Pera onde caminhais?

Diabo: Oh! que má-hora venhais,
onzeneiro, meu parente!
Como tardastes vós tanto?

Onzeneiro: Mais quisera eu lá tardar…
Estava um bolo-rei a tragar
quando me deu Saturno quebranto.

Diabo: Ora mui muito m’espanto
nom vos livrar o tabu!

Onzeneiro: Bem me calei mui caladinho,
nom falei dos meus projectos
a ver se ganhava de fininho.

Diabo: Ora entrai, entrai aqui!

Onzeneiro: Não hei eu i d’embarcar!

Diabo: Oh! que gentil recear,
e que cousas pera mi!...

Onzeneiro: Ainda agora faleci,
leixa-me buscar batel!

Diabo: Santo tabu!
Nunca tanta pressa vi!

Onzeneiro: Pera onde é a viagem?

Diabo: Pera onde tu hás-de ir.

Onzeneiro: Havemos logo de partir?

Diabo: Não cures de mais linguagem!

Onzeneiro: Pera onde é a passagem?

Diabo: Pera a infernal comarca.

Onzeneiro: Dix! Nom vou eu em tal barca.
Estoutra tem avantagem.

Vai à barca do Anjo, e diz:

Onzeneiro: Hou da barca! Houlá! Hou!
Haveis logo de partir?

Anjo: E onde queres tu ir?

Onzeneiro: Eu pera Belém vou.

Anjo: Pois cant’eu mui fora estou
de te levar pera lá.
Essa barca que lá está
vai pera quem te enganou.

Onzeneiro: Porquê?

Anjo: Porque esse saco de laranjas
e esse carro
tomarão todo o navio.

Onzeneiro: Juro a Deus que só lhe faço a rodagem!

Anjo: Conheço bem a tua voragem.

Onzeneiro: Lá me fica, de rodão,
os dinheiros que da UE recebi
e que muito mal geri.

Anjo: Ó onzena, como és fea!
E filha de maldição!

Torna o Onzeneiro Cavaco Silva à barca do Inferno e diz:

Onzeneiro: Houlá! Hou Demo barqueiro!
Sabês no que me fundo?
Quero lá tornar ao mundo
e trarei o meu dinheiro.
Aqueloutro marinheiro,
por que me vê vir sem nada,
dá-me tanta borregada
como arrais lá de Boliqueime.

Diabo: Entra! Entra! Remarás!
Nom percamos mais maré!

Onzeneiro: Todavia…

Diabo: Per forç’é!
Que te pês, cá entrarás!
Irás servir Santana
pois que sempre te ajudou.
Esperavas de vencer;
calaste dous mil enganos.
Tu roubaste bem dez anos
o povo com teu mester.

Onzeneiro: Ó triste, quem me cegou?

Diabo: Cal’-te, que cá chorarás.

Entrando o Onzeneiro Cavaco Silva no batel, onde achou o Fidalgo Mário Soares embarcado, diz, tirando o barrete:

Onzeneiro: Santo Sá Carneiro!
Cá é vossa senhoria?

Fidalgo: Dá ò demo a cortesia!

Diabo: Ouvis? Falai vós cortês!
Vós, fidalgo, cuidareis
que estais na vossa Brigada?
Dar-vos-ei tanta pancada,
como a que já levaste,
que renegueis!

quando me deu Saturno quebranto: quando morri; Saturno: deus responsável pela duração da vida humana;
Dix: Já disse!;
borregada: pancada;
Que te pês: ainda que te custe;
mester: profissão;



Maria Ortigão

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