sexta-feira, janeiro 13, 2006

AUTO DA BARCA DAS PRESIDENCIAIS (parte V)


Tanto que o Parvo Garcia Pereira ficou no cais, veio ua Alcoviteira, per nome Francisco Louça, a qual, chegando à barca infernal, diz desta maneira:

Alcoviteira: Houlá da barca, houlá!

Diabo: Quem chama?

Alcoviteira: A Alcoviteira Francisco Louçã.

Diabo: E aguarda-me, rapaz!
Como nom vem ela já?

Companheiro: Diz que nom há-de vir cá
sem antes falar com Miguel Portas.

Diabo: Entrai vós, e remares.

Alcoviteira: Nom quero eu entrar lá.

Diabo: Que saboroso arrecear!

Alcoviteira: No é essa barca que eu cato.

Diabo: E trazês vós muito fato?

Alcoviteira: O que me convém levar.

Diabo: Que é o qu’havês d’embarcar?

Alcoviteira: Seiscentos charros,
três arcas de má língua
que nom podem mais levar.
Três armários de mentir,
e cinco cofres de radicalismo,
e algum anti-americanismo,
assi gravatas de não vestir,
guarda-roupa d’encobrir
enfim – bloco movediço;
um estrado de imigrantes
com dous couxins para os aquecir.
A mor carrega que é:
esses queques do PP
a quero bater o pé.
Daquesta mercadoria
trago eu muito, bofé!

Diabo: Ora ponde aqui o pé…

Alcoviteira: Hui! e eu vou pera presidente!

Diabo: E quem te dixe a ti isso?

Alcoviteira: Todos os ideais de esquerda.
Eu sô ua mártela tal,
derrota tenho já levada
e tormentos fascistas suportados
que ninguém me foi igual.
Se fosse ò fogo infernal,
lá iria toda a Assembleia!
A estoutra barca, cá fundo,
me vou, que não é da Frente Nacional.
Barqueiro mano,
meus olhos nos teus olhos,
Francisco Louçã a presidente!

Anjo: Eu não sei porque vens tão confiante…

Alcoviteira: Peço-vo-lo de giolhos!
Cuidais que trago extremismo,
anjo de Deos, minha rosa?
Eu sô aquela preciosa
que dava solidariedade a molhos,
a que prometia mais humanidade
pera os pobres de Portugal…
Passai-me, por vosso aval,
meu amor, meus olhos
nos teus de perlinhas finas!
E eu sou bloquista,
Esquerdista e activista,
e fiz campanhas mui divinas.
A Santa Esquerda nom meteo
tantos votos como eu:
todos ganhos polo eu
que nenhu se perdeo.
E prouve ao Zé Povinho
que todos acharam cantinho.
Cuidais que dormia sono?
Nem voto se me perdeo!

Anjo: Ora vai lá embarcar,
não estês emportunando.

Alcoviteira: Pois estou-vos eu contando
o porque me havês de ver presidente.

Anjo: Não cures de emportunar,
que nom podes o grande trono ganhar.

Alcoviteira: E que má-hora eu me candidatei,
pois, nem vós, me valei!

Torna-se a Alcoviteira Francisco Louçã à barca do Inferno, dizendo:

Alcoviteira: Hou barqueiros da derrota,
que é da prancha, que eis me vou?
E há já muito que aqui estou,
e apreço mal cá de fora.

Diabo: Ora entrai, minha senhora,
e serês bem derrotada;
se fizestes nos comícios santa jantarada
vós o sentirês agora.

fato: bens móveis;
bloco movediço: talvez se trate de uma caixa desdobrável;
couxins: almofadas;
bofé: na verdade;
mártela: mártir;
giolhos: joelhos;
perlinhas finas: pérolas de boa qualidade;
polo eu: graças a mim;
E prouve ao Zé Povinho/ que todos acharam cantinho: lugares conquistados na Assembleia após as eleições legislativas.


Maria Ortigão

1 comentário:

celso serra disse...

Belas pérolas por aqui:)