Pois é, Cavaco foi eleito presidente, como já se adivinhava. Lá no fundo, eu ainda tinha uma pequena esperança que os deuses, no Olimpo, decidissem favorecer a audácia e o caminho espinhoso do vate Alegre, tal como o fizeram quando premiaram a aventura marítima de Vasco da Gama. Só posso pensar que os deuses devem estar loucos. Mas, enfim, a verdade é que já estivemos pior ou não tivéssemos tido como primeiro-ministro Santana Lopes.
O que me pareceu interessante, no passado dia eleitoral, foi a vitória algo apertada do candidato de direita-mas-supra-partidário-no-entanto-deixa-me-cá-incluir-nos-agradecimentos-o-chato-do-Marques-Mendes. Se não fosse a divisão da esquerda, talvez os resultados fossem outros. Nunca percebi muito bem a razão que move os ricos e poderosos a unirem-se e a protegerem-se e a constante divisão dos mais pobres e pequenos. Parece mesmo verídico que “Onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.”
Deste modo, os portugueses preferiram um espeto de frio ferro a um homem inspirado pelas musas. Realmente, o discurso vitorioso de Cavaco foi frio, sem emoção, o senhor nunca aparentou um rosto afável nem sequer riu. Só no fim é que lá ensaiou um esgar, qual sorrisito de Mona Lisa. Desconfio sempre das pessoas que não mostram os dentes…
Por falar em discursos, Sócrates provavelmente embalado pelas suas últimas medidas desastrosas (estás aqui, estás a levar com os esquis na moina) resolveu, distraidamente, sem quaisquer segundas intenções, completamente sem querer, abafar o discurso de Manuel Alegre, porque sabia (oficialmente, num dia em que toda a gente está colada à televisão, ninguém da sua equipa tinha reparado que o outro já lá estava) que as estações iriam privilegiar o seu discurso. É feio. E muito mais feio é culpar o poeta pela derrota da esquerda e por ter prejudicado a candidatura de Soares, como alguns socialistas sugeriram. Só podem ter sido péssimos alunos a História e não atinam com as datas, porque já não se lembram que Alegre se mostrou disponível muito antes de Soares. E dado que não é pessoa de acatar ordens sem fundamento nem de virar as costas à luta, seguiu o seu caminho.
Esperemos que os próximos anos sejam de alegre cavaqueira…
Maria Ortigão