Depois de termos sido acusadas de várias coisas, chegou a vez da nossa “horrível gramática”. Senhor António, tem a certeza de que quer enveredar por esse caminho? Dar-me-ia uma enorme satisfação!
Começo por esclarecer que a língua materna da Manuela não é o português, logo, ela nunca será a candidata portuguesa ao Nobel da Literatura. De facto, alguns dos textos dela apresentam falhas, mas se eu interviesse, penso que se perderia muita da sua autenticidade e liberdade de expressão. Apesar de eu estar do lado dos linguistas puristas (como verá mais à frente), prefiro ler um texto algo faltoso no campo gramatical, do que algo faltoso no campo das ideias. Sem dúvida nenhuma de que trocaria muitos livros, que são recordistas de vendas, mas que não nos tocam o pensamento, pelo verbo simples e despretensioso da Nela. É, portanto, a velha história do preferir falar com a boca cheia do que com a cabeça vazia.
No que à minha gramática diz respeito, as coisas mudam um pouco de figura. Desafio-o, senhor António, a reler tudo o que escrevi até agora e a tentar encontrar qualquer erro gramatical. Não digo que não o tenha cometido, pois não sou perfeita nem tenho a arrogância mouriniana de afirmar que sou a melhor. Porém, se há aspecto em que seja meticulosa é na gramática. Por isso, incito-o a encontrar algo incorrecto na sintaxe, na semântica e/ou até na pragmática, já que na ortografia estou perfeitamente incólume. Antes de se lançar nessa busca, tenho de lhe perguntar: “Do you feel lucky, today?”
Adorava ver a sua cara, quando lhe dissesse que sou… e que até já… Não, não lho direi. Pode-me questionar: Maria, Maria, quem és tu?, que eu responderei sempre: Ninguém!
Já agora, deixo-lhe aqui um reparo e um conselho. Edite Estrela não é exemplo de nota. A senhora até pode ser formada em Filologia, todavia, em todos os livros que escreveu, encontra-se não poucos erros ortográficos. Se estiver interessado em consultar obras de referência linguística, deixo-lhe aqui alguns nomes maiores, como Celso Cunha, Lindley Cintra ou Joaquim Fonseca. Os meus preferidos são os mais antigos, aqueles que cultivam mesmo até à raiz as letras e que são rigorosíssimos em cada vírgula que colocam. Falo de António Freire, Rodrigo de Sá Nogueira, Leite de Vasconcelos, Rodrigues Lapa ou Serafim da Silva Neto. No entanto, se quiser ver a boa gramática em acção, leia o Padre António Vieira e o meu escritor de estimação, Vergílio Ferreira. Tanto um como o outro são de uma correcção infalível, à qual não será certamente alheio o facto de dominarem o Latim.
Num passo do seu comentário e em resposta a uma série de perguntas indignadas que eu lhe fiz, disse que muito do que tinha escrito era para ser lido ironicamente. Peço desculpa por não ter percebido a ironia e por não ter reparado que, num comentário anterior, já se tinha retratado quanto à polémica do 11 de Setembro. Pronto, pronto, está perdoado. Não se preocupe que o meu lápis azul (essa teve piada!) terá mais cuidado, quando se preparar para rabiscar. Aliás, agora usa-se mais a caneta vermelha. E por falar em corrigir, também não se preocupe com as minhas correcções, porque eu sei distinguir muito bem uma gralha (“sovre”) de um erro (“estreme”), uma vez que, no teclado, o [v] está ao lado do [b], mas o [s] não é vizinho do [x]. Estreme significa puro, genuíno, ao passo que extreme (do verbo extremar), esta a palavra que queria usar, significa levar ao extremo, ser excessivo.
Vamos agora ao que interessa. Quando lhe perguntei se o santo, que citou, não era o mesmo que duvidava da existência da alma na mulher, tratava-se de uma simples pergunta. Li isso num livro que me emprestaram e fiquei curiosa, queria saber se era o tal. Quem foi agora que ficou irritado com assuntos de “lana caprina”? Falou também que eu referi nomes gregos que raramente se usam. Tem toda a razão, a memória dos Homens é muito curta. Se hoje os EUA se podem dar ao luxo de levar a democracia aos mais carenciados, foi porque, algures num passado longínquo, uns quantos gregos esquecidos inventaram a palavra e a ideia de democracia.
Com a minha última frase, chegamos novamente ao nosso pomo da discórdia: os EUA e a guerra. A verdade é que o senhor António ficou todo melindrado com o santo, que não se pronunciou sobre o que era mais importante. Terá sido por falta de argumentos? Então, não me diz nada sobre a mentirinha piedosa das armas de destruição massiva que o senhor Bush nos impingiu? Ou sobre tantos países que também mereciam ser libertos da opressão ditatorial? Parece-me que as questões mais importantes ficaram por debater…
Entretanto, perguntou-me se eu era cristã. Bem, qual é o seu conceito de cristianismo? Se entender que ser cristão é criticar a ordem estabelecida, recusar a violência, nutrir um profundo humanismo e amor pelo próximo (consultei uma enciclopédia e dois catecismos para, desta maneira, definir este –ismo), então, sim, sou cristã. Ainda bem que não me perguntou se era católica. Católica, eu? Zeus me livre!
Para finalizar, sei bem que o senhor António não é Paulo Portas. Estava a mangar consigo! Se fosse aquele político popular, já teria enviado uma fragata virtual para, no caso de “FarpasXXI” se tornar demasiado incomodativo, se preparar para nos lançar um vírus informático!
Sei que vou um pouco atrasada, mas… VIVA O 25 DE ABRIL! VIVA A LIBERDADE!
Maria Ortigão
2 comentários:
Minhas senhoras e meu senhor!
Andamos um bocado equivocados: o lápiz azul representa a censura e não as correcções ortográficas e/ou gramaticais.
Portanto, a caneta vermelha é, de facto, mais apropriada para as correcções da Maria, mas não como uma evolução do lápiz azul.
Um lápiz azul poderiam suas excelências auto-aplicar aos vossos textos antes de os publicarem. Não entendam isto como uma privação de liberdade (VIVA O 25 DE ABRIL!), mas sim como um auto-controlo com vista a evitar mal-entendidos desagradáveis.
Subscrevo este comentário.
"Não me contradigas. Sabes muito bem que nenhum de nós tem razão". Carlos Drummond de Andrade, dedicado a "farpas xxi" e a António Ribeiro
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