terça-feira, julho 04, 2006

MUNDIAL, O PERTURBADOR DE MENTES



1. Zanga familiar

Ainda faltava algum tempo para o jogo Portugal – Inglaterra e o meu pai, na cozinha, afadigava-se a arranjar a máquina de costura da minha mãe. Parecia ser um conserto pouco complicado, mas acabou por se prolongar.
Entretanto, o duelo esperado já estava a começar; o meu pai enervava-se, porque não via o jogo nem conseguia dar conta da reparação; a minha mãe chateava-se, pois não tinha a máquina pronta nem o “habilidoso” se concentrava; eu não conseguia escutar a televisão, porquanto a discussão começava a estalar. Encontrava-me na sala e tinha a porta, que ligava as duas divisões, aberta para que o meu pai pudesse ouvir os comentários, uma vez que não temos televisor na cozinha. Transcrevo, agora, parte do diálogo:
Pai: Ó “Maria Ortigão”, põe a televisão mais alta!
Mãe: Tu ‘tás mas é c’o sentido na bola!
Pai: Ainda ‘tou aqui, não ‘tou? Isto não é fácil!
Eu: Assim não consigo ouvir se os jogadores sabem ou não dizer “egrégios”!
Depois de alguns arrufos (nada de grave, todavia distribuíram-se alguns cartões amarelos), o meu pai chegou, por fim, à sala no momento em que o Tiago falhou uma oportunidade de golo. Então, surpreendido com a titularidade daquele jogador, perguntou-me quem estava ele a substituir. Eu não sabia. Seria o Petit? Eu também não sabia, mas pensava que o sarrafei… quer dizer, o Petit estava a jogar.
— Porra, também não sabes nada! ‘Tás a ver o jogo p’ra quê? – resmungou o meu pai.
Estupefacta, pedi desculpa por não ter conseguido decorar algo tão importante e fundamental para a existência humana como o era o onze inicial português mais os homens que tinham ficado no banco!
Esta história é a prova de que futebol em excesso pode provocar a desagregação familiar. Valeu-nos S. Ricardo que, com as suas mãos, operou o milagre da vitória e a harmonia voltou a reinar cá em casa.



2. O vencedor que é vencido e o vencido a vencedor
Após o jogo, estalaram os festejos e a alegria um pouco por todo o lado. E esse um pouco por todo o lado também chegou a França (próximo adversário do nosso país), onde um emigrante disse para as câmaras de televisão:
— Que Portugal ganhe, mas que a França ganhe na final.
Ora, se Portugal ganhar, a França não vai à final. E se a França ganhar na final, quer dizer que derrotou Portugal na meia-final. Em suma, um dos dois vai ter de perder. É o que eu digo, futebol em excesso prejudica o raciocínio.

Maria Ortigão

Sem comentários: