1. Pandemia da bola
Eu até gostava de futebol, mas confesso que, mesmo antes da competição começar, já estava enjoada de bola. É publicidade, é programação especial de horas e horas com o Toy a jurar que é português (nós acreditamos, por isso, NÃO CANTE MAIS!), são roupas com as cores nacionais, são bandeiras por tudo quanto é lado… enfim, dá vontade de começar a detestar o futebol.
Portugal parece um país terceiro mundista que, no meio de tanta pobreza intelectual e monetária, só encontra motivos para sorrir através do futebol. É triste, porque também temos outros e bem melhores motivos para nos sentirmos satisfeitos. Assim, de repente, não me lembro de nenhum… mas deve haver um!
Já que os portugueses querem apoiar fanaticamente a selecção, pelo menos podiam colocar as bandeiras de forma correcta nas janelas. Aqui vão umas indicações:
- não convém o vermelho estar do lado esquerdo de quem olha;
- não convém deixar o escudo de pernas para o ar;
- convém deixar o escudo de pernas para o ar e ter o vermelho do lado esquerdo.
2. Transmissões televisivas
“Na, na, na, está na SIC o Mundial!” diz o hino daquela estação de televisão. Aos “nas” só falta o til. Reparem: O Mundial está na SIC? Nã, nã, nã! Pois é, o Mundial não está na SIC, porque a SIC não está a transmitir a esmagadora maioria dos jogos. Quer dizer, tanta publicidade, tanta algazarra, tanta canção a prometer-nos glória e o que realmente interessa neste campeonato de futebol – ver uma data de homens em calções e esperar que eles tirem a camisola quando marcarem um golo – fica relegado para quem tem Sport TV. É injusto! Quase não vou poder ver a selecção italiana. Ó raça abençoada, vê-se bem que Vénus vos protege desde Eneias!
3. Os nossos jogadores
Das inúmeras e esgotantes reportagens que se fizeram à volta dos nossos jogadores, houve uma que me interessou. No meio dos penteados dos jogadores, do número que calçam, das tatuagens (não estou a hiperbolizar nada, pois os aspectos que enunciei foram mesmo alvo de tempo de antena alargado), ouvi atenta o que alguns Tugas levaram na mala para a Alemanha.
CDs, DVDs, PSPs (não a polícia, mas a “Playstation”) e PCs (não os comunistas, mas o computador) foram objectos de eleição. Então, e os livros? Os LVs (LêVês; como todas as outras coisas tinham iniciais, fiz uma pequena adaptação) são essenciais em qualquer mala de viagem.
Tenho a certeza de que se lessem mais, os pontapés na gramática dos jogadores deixariam de ser tão certeiros. Por exemplo, o Petit já não diria no final de um jogo com o Barcelona que “os árbitros costumam favorecer os clubes mais grandes!”; também o Ricardo Costa, emocionado com a convocatória, já não diria que “o seleccionador sabe o que eu vale!”
Leiam, meninos, leiam! E tirem as camisolas quando marcarem um golo!
4. Candidatos a campeões do mundo
Brasil, Argentina, Itália… são algumas das eternas equipas à conquista da taça. Mas desenganem-se, porque há uma selecção muito mais perigosa: Trindade e Tobago. Se a Sérvia e Montenegro ainda fosse um país seriam outro grande candidato ao título.
Como jogam com dois países ou regiões, têm o dobro de hipóteses de vencer. Assim, nas primeiras partes, entram os trindaleses… trindalenses… e, nas segundas partes, os tobagueses… tobaguenhos… ora aí está, passam despercebidos, ninguém se lembra deles, porque também não sabem nomeá-los e, pimbas, já empataram com a Suécia.
Se o nosso país se chamasse Portugal e as Berlengas, o Mundial estava no papo!
5. A fuga dos deputados
No próximo 21 de Junho, a selecção portuguesa joga num dia da semana, pelo que os nossos ilustres deputados já declararam que não comparecerão na Assembleia da República, porque querem assistirem ao jogo. O presidente da República disse que não vê inconveniente nesta falta colectiva. Está tudo parvo ou quê?
Considero esta atitude altamente insultuosa a qualquer cidadão de bem. Ainda se o futebol resolvesse os nossos problemas na saúde, na educação e no desemprego, justificava-se a falta, mas como a bola não nos dá de comer (excepto aos jogadores, dirigentes e árbitros, através dos dirigentes) é triste deixar de lado as responsabilidades só por causa de um jogo. São os efeitos da tal pandemia terceiro mundista que nos vai inundando. Isto para não falar daquela tarde em que picaram o ponto e baldaram-se!
Se Portugal passar a fase de grupos, os deputados vão continuar a faltar? Espero bem que não, porque não é para isso que eu contribuo para os salários deles.
Aliás, tendo os deputados um trabalho importante para o país e podendo faltar por causa de um jogo de futebol, eu também posso faltar ao meu trabalho. Todos podem faltar. É isso mesmo! Portugueses e portuguesas, lanço um apelo ainda mais generalizado do que o das bandeiras nas janelas: vamos todos, sem excepção, faltar ao trabalho, paralisar e país e, desta maneira, custar milhões de euros ao Estado nesse dia. Não se preocupem que o Estado não vai reparar no buraco, pois será um entre muitos e estará tudo ocupado a ver o jogo.
O problema das faltas dos deputados tem, ainda, outra vertente: eles são um pouco totós! Em vez de faltarem às reuniões da Assembleia, podiam aproveitar para aprovar medidas impopulares. Enquanto o resto do país estava a fazer figas para que o Paulo Ferreira ficasse em tronco nu (pronto, admito, não é o resto do país, sou só eu!), podiam subir impostos, avançar com as centrais nucleares e reduzir o salário mínimo. Ninguém notava. Por estes dias, ninguém liga à política, logo os deputados podiam lançar imensos decretos. Só que nem para isso servem!
Maria Ortigão
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