terça-feira, agosto 30, 2005

“NOITES RITUAL ROCK”


1. A idade não perdoa.

A dura realidade é que estou a ficar velha. A vida segue o seu curso natural, por isso ando muito melancólica. Já suspeitava desta inevitabilidade, pois pequenos episódios sussurravam ao meu ouvido “És do século passado! Se te olhares bem no espelho, vais ver, logo na frente, um fio de cabelo branco!” Na realidade, sou do tempo em que Herman José ainda tinha piada; deixei de perceber alguma gíria da juventude como “beca”, “gera”, “MC” (lido em inglês) ou “grupes” (de notar que adaptei o melhor que pude a escrita àquilo que ouço); sou do tempo em que o verbo era “estar” e não “tar”; dizem que, de longe a longe, a História acaba por se repetir e é o que está a acontecer com os prováveis candidatos à presidência da República, Cavaco Silva e Mário Soares, ou seja, assisto a um acontecimento que deveria ocorrer daqui a muito tempo…
Porém, se dúvidas houvesse quanto ao meu envelhecimento, dissiparam-se completamento durante as “Noites Ritual Rock”. Logo para começar, não conhecia quase nenhuma das bandas do cartaz, portanto, ia um pouco às escuras.
Depois, para me sentar na relva ou no chão de pedra do Palácio de Cristal, usava o programa para não sujar as calças. Neste acto, há muitas semelhanças com os idosos que tiram do bolso um lenço para se resguardarem, enquanto de sentam num banco de jardim.
Durante a actuação dos “Cool Hipnoise”, estava a mexer um bocadinho o corpo (sim, porque um velho tem dificuldades em dançar) e tive uma cãibra na perna esquerda.
Finalmente, após dois dias de concertos, fiquei cheia de dores de cabeça.
Em suma, há coisas para as quais já não tenho idade. Devo encarar a realidade e ir inscrever-me na próxima excursão da Junta de Freguesia e visitar as instalações do lar de idosos mais perto. No entanto, lá no fundo, penso que o meu caso ainda não está perdido. António Lobo Antunes disse que se começou a sentir velho quando encontrou no bolso de, se não me engano, um casaco migalhas de bolachas. Ora, o facto de eu deixar pacotes de bolachas vazios nas carteiras não é a mesma coisa, pois não?



2. Sandocha, a exterminadora implacável!

Durante as duas noites de concertos, o cheiro a charro foi presença constante. Ao invés, não se podia entrar no Palácio com uma sandocha e uma lata de refrigerante. Conclusões óbvias: fumar charros é bom, comida é perigosa; para Ivo Ferreira aquele recinto era um paraíso terrestre.
Ainda na entrada, fui revistada. Talvez as autoridades andassem à procura de um perigosíssimo rissol ou de umas ilegais fatias de presunto. Mas fui revistada de uma maneira muito especial, porque se limitaram a apalpar a minha carteira. Não a abriram, não olharam para o seu conteúdo. Apenas pegaram nela como se pega numa bolsa de dinheiro para lhe sentir o peso.
No recinto, os polícias mantinham-se afastados da multidão, formando grupos de animada cavaqueira. Percebe-se, pois, que a união faz a força!
Para terminar, deixo mais uma prova da falta de civismo que grassa nos portugueses, sobretudo entre a juventude, o que ainda é mais grave. O chão, em frente ao palco principal, estava pejado de copos de plástico. Considero esta atitude uma falta de respeito em todos os níveis, porque se polui um dos melhores sítios verdes do centro da cidade do Porto, porque é desagradável caminhar por entre este tipo de destroços, porque o local estava bem servido de contentores para o lixo e porque simplesmente não é coisa que se faça. Por outro lado, havia quem conseguia dirigir-se até aos contentores, mas apenas para deixar o copo em cima da tampa! A Manuela queria deitar o seu copo no lixo, contudo, se levantasse a tampa, os dejectos caíam todos no chão.
Sinceramente, não percebo qual é a dificuldade em levantar uma tampa! Lembram-se do Gervásio, o macaco que, em duas horas, aprendeu a separar o lixo? Se o Gervásio consegue, por que motivo os outros macacos não conseguem?


3. Cartaz.

Com muita pena minha, logo no primeiro dia, perdi os “Worsong”, uma banda que musica poemas de Fernando Pessoa e Al Berto. Por isso, começámos por ver os “Plaza”. Quando entraram no palco, a minha garganta involuntariamente produziu um som estranho, que a Manuela soube interpretar muito bem, dizendo qualquer coisa como “Enganámo-nos e viemos parar a um espectáculo de ‘travestis!” De facto, os músicos apareceram vestidos com fatos brancos e adornados com cachecóis de plumas igualmente brancos. Depois, o vocalista tinha uns invejáveis movimentos de anca… Bem, mas o que interessa não é a forma, é o conteúdo. Gostei de algumas músicas, só que outras eram demasiado “pop” e electrónicas. Devo dizer que faço parte de um grupo bastante restrito que não gosta de música de dança, “house” e outras do género, cuja batida se assemelha, na minha opinião, a um bater contínuo com a cabeça na parede. De realçar também que não percebi 90% das letras…
Para mim, os “Supernada” salvaram o festival. Gostei muito, porque revivi o bom velho e puro “rock”. E cantado em português, o que já começa a ser uma raridade neste tipo de bandas!
Os “Cool Hipnoise” também nos brindaram com temas em português, dos quais gostaria de salientar os seguintes versos: “A terra dos sonhos está a sonhar com a guerra/ E de uma mentira fez uma bandeira…” Pois é, para desespero de muita gente, a banda do “funck é memo bom” é marxista/leninista/bloquista!
Queria também deixar uma nota sobre os “Wrygunn” que, segundo o programa, são uma das melhores bandas portuguesas ao vivo. Quanto a isso, não tenho dados suficientes para me pronunciar. Saliento apenas o facto de que conseguiram bater o recorde do maior número de repetição de um refrão por música. Se a intenção era que o público ficasse com as músicas no ouvido, conseguiram!


P. S.: Se, em algum momento desta farpa, fui algo resmungona, não liguem, pois os velhos costumam ser assim!


Maria Ortigão


11 comentários:

Anónimo disse...

1 - Yo, bacanos! Eu, que continuo jovem, 'tava lá e vi a "avó" Maria cuidadosamente a usar o MEU programa para não sujar as calças (brancas!).
2 - Havia um dos caixotes do lixo que esteve aberto toda a noite, e apesar de me apetecer fechá-lo de cada vez q por ele passámos, admito que deve ter sido mais funcional que os restantes.
3 - "Avó" Maria, cuidado com as provocações!...

Anónimo disse...

A Manuela 'tava a brincar; a Manuela vai gostando dos plaza.

Anónimo disse...

Ui... estamos velhos, é isso?
Caras autoras + Cristina, alinham numa viagem promovida por uma empresa que vende tachos? Se calhar, lá iríamos sentir-nos bem melhor. :)

Nota: Os Wordsong, dos quais tenho o álbum de Al Berto que muito me agrada, foram imperceptíveis. São uma banda que vive da letra dos poemas, se estes se tornam imperceptíveis a banda falha o seu objectivo. Não gostei, por esse aspecto.

Gostei do texto. :)

Os meus cumprimentos.

Maria Ortigão e Manuela Queirós disse...

Quais provocações? A velhice tem destes problemas de memória!!! A sério, não estou a ver quem poderei ter provocado com um texto tão simples. Aproveito para reafirmar que tenho sempre cuidado com o que escrevo (escrevo, volto a escrever, apago, mudo...), porém a nunca deixarei de dar a minha opinião, de usar o meu senso crítico. Venha quem vier.
Cláudio, gosto mais de panelas, mas até posso experimentar os tachos!!!!

Maria

Anónimo disse...

Eu é mais tupperwares, mas 'bora lá!

"Avozinha", a velhice, para além da memória, afecta a visão, por isso eu amplio um bocadinho:
«POIS É, PARA DESESPERO DE MUITA GENTE, A BANDA DO "FUNCK É MEMO BOM" É MARXISTA/LENINISTA/BLOQUISTA!»
Não me vais dizer que não é provocação, pois não?!... Mas tudo bem, desde que saudável, uma provocaçãozinha de vez em quando até rejuvenesce o espírito!

Anónimo disse...

Sra. Ortigão: há quanto tempo não dá uma queca bem dada?

Maria Ortigão e Manuela Queirós disse...

Não tinha a intenção de provocar ninguém. Limitei-me a transformar uma provocação (essa, sim)dirigida a mim numa piada pessoal.
Na minha opinião, Cristina, devias também mandar alguns recados a quem me andou a provocar e a insultar, no passado. E, para confirmar o meu ponto de vista, palavras para quê, quando aparecem comentários como aquela pergunta tão espirituosa?!

Maria

Maria Ortigão e Manuela Queirós disse...

Já agora, não resisto a corrigir o meu amigo Anónimo e António. Sendo "há quanto tempo" uma expressão de tempo, deve aparecer isolada por vírgulas.

Maria

Anónimo disse...

Sim, sou eu que, nem eu sei porquê, vou espreitando ainda. Cometi o erro de brincar com um site que não faz outra coisa que não gozar com os outros. Minha culpa. Mas, já agora, Sra. Ortigão, procure, nos grandes escritores da Língua Portuguesa recentes, exemplos em que o "há quanto tempo" surge entre vírgulas. Talvez chegue à conclusão que (ou de que?) isso era regra em 1915. Mas nós estamos em 2005. Não sei se já reparou.

Anónimo disse...

De novo um tête-à-tête, a fazer lembrar outros tempos...
Maria, os recados do passado foram dados a seu tempo. Quanto à recente pergunta, espirituosidade?!... desta vez até te contiveste, para mim isso entra já na má educação e portanto não me merece comentários.

Maria Ortigão e Manuela Queirós disse...

Se é brincadeira, senhor António, é sempre bem-vinda. Mas, convenhamos, que não é lá muito visível. Pelo menos, eu a ainda não a consigo ver!
Quanto à regra, é a de 1945, que é a data do acordo ortográfico que está em vigor.

Maria