sexta-feira, julho 29, 2005

O “ATELIER” DO ZÉ


Estou emocionada até hoje. Amigos leitores, eu andei a bisbilhotar no “atelier” de José Rodrigues, um dos maiores escultores portugueses da actualidade. Fiquei tão contente, feliz, entusiasmada, eufórica e todos os adjectivos que são sinónimos de alegre! A Cristina é testemunha da minha excitação.
É melhor começar pelo princípio (passo o pleonasmo) e contar tudo direitinho. Sei que o texto vai ficar grande, mas, desta vez, vai valer bem a pena!
A Cristina perguntou-me se eu não queria ser “lanterna” num espectáculo de poesia, dança, canto e música, dirigido por Ruben Marks. Ser “lanterna” implica estar num canto da sala com uma lanterna na mão e ir iluminando os intervenientes que se encontram em palco. Já tinha assistido a um espectáculo do género, também com a direcção artística do mesmo Ruben Marks e sabia, mais ou menos, como tudo se ia passar.
Na véspera da apresentação, dia de ensaio, fomos até a uma antiga fábrica, no Porto, que está a ser reutilizada e que, mais tarde, fiquei a saber ser a Fundação José Rodrigues. Logo à entrada do portão, estava um grande cão que, à primeira vista, seria o guardião do edifício, mas que, no fundo, era mais o guardião dos mimos.
Como chegámos um pouco mais cedo, fomos incentivados (estávamos com um outro amigo) a explorar o local. Tirando o edifício principal, que servia de sala de espectáculos e que estava minimamente recuperado, os restantes eram um pouco ruínas, polvilhados de entulho, no meio do qual, havia algumas estátuas. Foi, então, que, ao passarmos a um outro edifício, reparei numa placa de ferro com esta inscrição: “Escultor José Rodrigues”. O José Rodrigues? O escultor José Rodrigues? Agora percebia o significado de algumas palavras soltas que tinha ouvido e se reportavam a um “atelier” e a um “Zé”! Meu Zeus, eu ia entrar no espaço de trabalho do escultor José Rodrigues!
Aquele edifício era constituído por três divisões, sendo duas salas de trabalho e a terceira, mais pequena, um escritório com uma secretária cheia de papelada com desenhos. Afastei-me logo dali, porque sei que se entrasse, não me ia controlar e acabava por mexer em tudo! Por isso, centrei-me nas salas de trabalho que tinham mesas e enormes estantes. Tudo repleto de grandes e pequenas estátuas, umas já concluídas, outras não. A variedade era imensa! Havia uma ave com as asas abertas, talvez em pleno voo, tão perfeita!; uma grande estátua de uma mulher deitada que era um nu belíssimo; um pequeno leão em busca da presa; até um busto de Mário Soares! Fui tocando a medo em algumas peças, sobretudo naquelas que não estavam acabadas e em que era possível ver as marcas por onde ia nascer uma obra de arte. Que emoção!
E a desorganização? Bocados de pedra por todo o lado, materiais ao monte, instrumentos de escultura espalhados… ai, se a minha mãe visse aquela confusão!...
No entanto, o melhor ainda estava por vir. Antes de começar o ensaio, tive vontade de ir à casa de banho. E onde havia uma casa de banho nas imediações? Sim, utilizei os lavabos de José Rodrigues!!! Eu sei qual é a marca de papel higiénico, mas não digo, pois estaria a ser demasiado indiscreta!!! Por falar em indiscrição… não resisti e acabei por abrir a porta do frigorífico que o Zé (acho que, dadas as intimidades por mim forçadas, já o posso tratar assim!) lá tinha, contudo, não revelarei o seu conteúdo que foi deveras surpreendente! Ah! Já me ia esquecendo de dizer que limpei as mãos à toalha do Zé!
Quando saí da casa de banho, reparámos que havia um esqueleto pendurado na parede. Houve alguém que disse que parecia ser humano, porque tinha algumas irregularidades e manchas escuras pelos ossos. Como estávamos rodeados pelo lusco-fusco, mais fusco do que lusco, eu preferi pensar que era apenas um esqueleto de plástico carregado de pó!
Mais tarde, compreendi que as estátuas, que vi no meio do entulho, eram o lixo do Zé. Ora, eu não me importava nada de ter um pouco de lixo de José Rodrigues em minha casa. O problema é que se colocássemos uma daquelas obras na mala do carro, íamos embora com as rodas dianteiras no ar!
No dia seguinte, dia da grande estreia, aconteceu o clímax da minha emoção. Não é que o Zé falou connosco? Perguntou-nos onde se ia sentar! Teve de ser a Cristina a responder, porque naquele momento eu estava tão embasbacada que nem conseguia falar! Realço, ainda, a figura interessante do grande escultor: mais baixo do que a televisão fazia antever e fralda metade dentro, metade de fora!
Foram duas noites fantásticas!!!


Maria Ortigão



1 comentário:

Anónimo disse...

Sou testemunha, sim senhores! Qual criança acabada de entrar na DisneyLand... Acho que só não deu pulos de alegria por repeito à sua coluna...