O homem mais rico do mundo veio a Portugal e ninguém conseguiu sacar-lhe uns trocos. Não era nada extraordinário para alguém habituado a doar a países de terceiro mundo e com graves carências em todos os níveis.
Durante a condecoração, o futuro ex-presidente Jorge Sampaio podia, como quem não quer a coisa, meter a mão na carteira de Bill Gates e agarrar umas verdinhas. O americano nem ia dar pela falta, não o ia prejudicar e Portugal quase resolvia os problemas do défice.
Agora falando um pouco mais a sério, devia-se tê-lo raptado e exigir um resgate. Não era necessário recorrer àqueles raptos à fundamentalista islâmico, com divulgações mediáticas, homens armados e de cara escondida e o sequestrado de joelhos a chorar pela sua libertação. Ia ser um rapto subtil, em que Bill Gates nunca teria a percepção do sarilho em que o meteriam e acabaria por alegremente pagar para sair daqui.
Quando fosse em direcção ao aeroporto para voltar para os States, aproveitava-se a crónica má sinalização portuguesa e desviava-se o seu automóvel para uma das aldeias mais despovoadas e interiores do país. De preferência, uma terreola, onde não houvesse electricidade, telefone e os telemóveis não tivessem rede. As casas seriam muitíssimo simples, nada da casa inteligente que Bill construiu para si. Resumindo, o milionário americano teria de sobreviver sem os seus aparelhómetros e numa habitação, cujo rés-do-chão estaria ocupado por animais de pastoreio.
Enquanto Bill aguardaria por uma operação de salvamento, teria de sobreviver em tão inóspita terra. Para ter um prato de saborosos rojões ou de feijoada, acompanhados por uma boa sopa à lavrador, deveria ajudar nas tarefas: levar o gado a pastar, cortar lenha para o fogão para ter aquecimento nas longas noites de Inverno, regar, plantar e semear, limpar os estábulos e ir fazer as necessidades ao buraquinho que se encontraria no exterior da casa. Seria uma espécie de “Quinta da Celebridade”.
Sendo uma aldeia no interior, a maior parte da população teria uma idade muito avançada, para quem computador é uma palavra que a canalha arranjou de modo a esconder a asneira que toda a gente sabe. Desta maneira, ainda que Bill soubesse arranhar o português, nunca conseguiria ter tema de conversa com os autóctones. A única coisa que receberia daquela gente, em especial das velhotas, seria uma quantidade enorme de beijos repenicados, molhados e que picam por causa daquelas verrugas com pêlos fortes que muitas têm no queixo.
(Faço aqui um pequeno parênteses para partilhar um trauma de infância. Quando era criança, não pensava e a minha mãe ainda me conseguia arrastar para a missa, não percebia por que razão Deus me castigava. Seria por eu saber sempre onde procurar as prendas de Natal e de aniversário antes dos dias festivos? Seria por ir comer bolachas entre as refeições? Seria por ter contado a toda a gente que a D. Ermelinda ressonava durante a homilia? Mas isso toda a gente fazia! Era castigo demasiadamente feroz ter de receber dos milhões de beatas aqueles odiosos beijos molhados que picavam. Já não bastava ter de lá passar uma hora e estar a perder os desenhos animados, ouvir uma série de palavreado que não percebia, ter, muitas vezes, de dar o meu lugar a idosas que adormeciam enquanto o Diabo esfregava um olho e ainda tinha de apanhar com velhotas babosas?
Se o momento da missa em que nos cumprimentamos se chama “O abraço da paz”, por que razão não nos limitamos a dar umas palmadinhas nas costas? Tanto sofrimento me poupariam!)
No meio de tão primitiva terra, o patrão da Microsoft não aguentaria nem uma semana e estaria disposto a pagar o que fosse preciso para voltar para o seu império ultramoderno. Aí, sim, de repente, as autoridades portuguesas já começariam a fazer alguma ideia do paradeiro do americano. Encorajado com estas notícias, ainda subiria mais a parada. E, para tornar as coisas mais interessantes, o governo português poderia insinuar que talvez, em escutas telefónicas, sem querer, teria revelado aos militantes do Bloco de Esquerda e do PCP a localização de Bill. Perante esta perspectiva, já não havia dúvida: todo o dinheiro do desesperado americano era nosso.
Aprendam, seus governantes provincianos, paroquianos e outros –anos que entretanto devem estar a aparecer.
Maria Ortigão
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