1. Quando os asnos são mais que muitos
Não sei por que motivo me dou ao trabalho de escrever, mais uma vez, sobre tão famigerada instituição, mas penso que acaba por ser uma forma de catarse. Se isto continua assim, as sequelas destas farpas vão ser mais numerosas que os filmes de James Bond e igualmente enjoativas (sobretudo para mim).
Recordando a última enormidade da Segurança Social, a minha mãe foi impedida de fazer os descontos, porque, segundo dados informáticos, já não o fazia desde Março de 2003 (mesmo que isso fosse verdade, só agora é que reparavam…). Após tamanha descoberta, tivemos de nos deslocar mais quatro vezes; repito, quatro vezes; sim, leram bem, quatro vezes; para os incrédulos, quatro vezes; não, não estão a precisar de óculos, foram mesmo quatro vezes. Enfim, a inteligência daquela gente é tão limitadinha, coitadinha, que não conseguem dizer tudo de uma vez o que é preciso entregar: primeiro, eram umas fotocópias de determinados recibos; depois, eram outras de outros recibos; depois, era uma declaração; depois, patati patatá.
Da última vez (última, pensávamos nós! “Naquele engano da alma, ledo e cego/Que a fortuna não deixa durar muito…”), foi-nos dito que, com os documentos apresentados, já estaria tudo em ordem. Até tiveram a “amabilidade” de passar à minha mãe uma declaração, devidamente carimbada e assinada, explicando a situação e as razões pelas quais não pôde descontar, para que não tivesse de pagar os juros de mora do último mês.
Dirigimo-nos, então, à tesouraria, apresentámos a tal declaração, o funcionário leu-a e eu paguei com cartão. Quando o funcionário me comunicou a quantia, eu achei algo de estranho, mas como sou tão boa a fazer contas de cabeça como António Guterres… No entanto, acabei por perguntar se aquele total incluía juros. Pois claro que incluía, se a senhora não pagava há dois meses! Valham-me todos os deuses de todas as religiões! Nem com a declaração o homem percebeu que não era para pagar com juros? Cá estava um exemplo de analfabetismo funcional, ou seja, leu, mas não conseguiu compreender uma simples frase. De declaração novamente erguida, expliquei ao senhor todos os porquês. Dá-me, de seguida, a seguinte resposta:
— Já está paga. Também são só 0,65€!
E se à minha mãe, ao pagar, faltassem 0,65€ também poderia alegar que eram só 0,65€? Passavam-lhe recibo na mesma? Claro que não! E já agora, sabia que existem seres vivos unicelulares mais inteligentes do que você?
Bom, tentando não me chatear a sério (a altura do balcão × os meus 0% de flexibilidade = nenhuma hipótese de ir lá dentro agredir o senhor), pedi a restituição dos meus 0,65€. Diz-me o funcionário:
— Isso vai dar muito trabalho!
Desta vez, reagi bem. Olha a novidade! Toda a gente sabe que trabalhar é coisa que raramente acontece nestes sítios! Paciência, o “meu amigo” teria mesmo de trabalhar, porque eu não arredaria pé sem os meus amados 0,65€. Ele até podia aproveitar e quebrar um pouco a cansativa rotina e experimentar o labor desconhecido. Lá veio um técnico, tirou recibos, voltei a marcar, voltou a retirar recibos… Por fim, a César o que é de César!
2. Quando o telefone toca
Alguns dias depois, a minha mãe contou-me que tinham telefonado a pedir que levasse mais fotocópias, porque as outras se tinham extraviado!!! Tradução: houve, portanto, um palerma que perdeu documentos de grande responsabilidade. Francamente, um S. Bernardo fazia melhor o vosso serviço, cambada de burros!
Pela quinta vez, desloquei-me àquele antro de ignomínia. Quando lá cheguei, resolvi fazer algo de realmente produtivo com o meu tempo de espera e fui ao balcão pedir o Livro de Reclamações. Ao ouvir estas palavras, o funcionário sobressaltou-se:
— O Livro de Reclamações? Para quê?
— Para reclamar! – de entre as muitas utilidades do Livro Amarelo, até me envergonho de só me lembrar desta, vejam lá!
O senhor foi chamar uma senhora a quem pedi novamente o Livro.
— O Livro de Reclamações? Para quê?
Mau, está tudo parvo ou quê? Comecei a pensar que, à entrada daquele edifício, deveria haver a seguinte advertência: Somos tão estúpidos que até mete impressão!
— Para reclamar. – respondi eu.
— Sim, mas para reclamar de que situação? – quis saber a senhora.
Depois de ter desenrolado a incrível história da minha mãe, fui conduzida até uma sala e obtive o Livro. Enquanto escrevia, talvez para suavizar a minha reclamação (Vai sonhando, querida! Prepara-te para um texto, no mínimo, arrasador!), dizia:
— Sabe, quando os computadores dão erro…
— Pois, mas os computadores só trabalham por meio dos dados e manejamento de pessoal humano!
— Ah! Não é assim tão linear! Ainda há pouco, tivemos de chamar os técnicos e nem eles sabiam qual era o problema!
Acredito que fosse difícil encontrar o problema, uma vez que analisaram o doente errado. Se fizessem um encefalograma àquela gente, de certeza que o diagnóstico seria: falhas gravíssimas em todas as operações cognitivas, resultando em profundo estado vegetativo.
Como estava mais preocupada com o meu texto, fiz ouvidos de mercador às desculpas esfarrapadas.
Foi a primeira vez que escrevi num Livro de Reclamações e devo confessar que fiquei um pouco decepcionada, pois só temos à disposição cerca de vinte linhas (se calhar, devia ter feito uma reclamação ao próprio Livro de Reclamações por ter tão pouco espaço!). Tive de resumir a minha história e de apelidar os funcionários de incompetentes para aí umas cem vezes, quando o queria fazer, pelo manos, umas quinhentas.
Findo o meu libelo, tive direito a um duplicado, em que não se percebia rigorosamente nada! Parecia um daqueles copianços, cujas letras estão apenas decalcadas.
Até à data, o telefone ainda não tocou. Ainda!...
Maria Ortigão